Um Muro e Dois Universos

O muro que cerca minha casa é muito mais do que uma barreira física. Ele é uma linha divisória entre dois mundos completamente distintos. Do lado de fora, estende-se o universo do relógio, onde tudo é rigorosamente estruturado, guiado pelo incessante tic-tac do tempo. É o mundo das normas, das metas e da produtividade. Já do lado de cá, no espaço que eu chamo de lar, há uma liberdade absoluta. Aqui, o sistema perde sua força, e a rotina rígida simplesmente se dissolve, dando lugar a momentos vividos sem a pressão constante do “fazer”.

Dentro desse refúgio, o comercialismo e suas engrenagens não têm lugar. A ideia de horários fixos, de obrigações intermináveis ou de padrões impostos pela sociedade simplesmente desaparece. Não existem ciclos ou horários pré-definidos para trabalhar, me alimentar ou descansar. Nada me obriga a seguir a ordem estabelecida lá fora. A única regra que reina aqui é a ausência de qualquer regra.

Essa liberdade quase subversiva cria uma experiência única: viver de acordo com a própria vontade. Enquanto o mundo exterior tenta orquestrar cada minuto da nossa existência com compromissos e prazos inadiáveis, aqui a vida se organiza em torno do desejo do momento. As demandas externas perdem sua relevância, e eu posso, enfim, respirar.

Nesse ambiente, há algo ainda mais curioso. O transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), que tantas vezes é um desafio esmagador no mundo lá fora, encontra aqui um território onde seus obstáculos são muito menores. Não há cobranças excessivas, listas intermináveis ou horários inflexíveis. Minha mente pode fluir como quiser, encontrando equilíbrio na ausência de expectativas rígidas e na liberdade de ser como sou.

Esse muro, longe de ser um ato de isolamento, é um ato de proteção. Ele guarda o espaço onde minha individualidade pode prosperar sem o sufocamento das exigências do sistema. Dentro desses limites, a vida deixa de ser sobre produtividade ou conformidade. Ela se torna, simplesmente, sobre existir.

E é nessa simplicidade – nesse existir sem as amarras do mundo externo – que encontro uma paz que o outro lado do muro jamais poderia me oferecer.